9 de julho de 2010

Cachimbo da Paz

A definição de "garoto problema" na Holanda, como você deve imaginar, é totalmente diferente do Brasil.

Pra começar, garoto problema no Brasil não pode ser alguém abaixo da classe média. Se um moleque que causa confusão por ai for pobre, o nome pra ele é "marginal", "pé de chinelo", "moleque de rua" e por aí vai...

O garoto problema no Brasil está no grupo dos que tem tudo que precisam/querem (classes alta e média-alta) ou aqueles que trabalham e ganham o suficiente para ter o que precisam e, algumas prestações depois, ter o que querem (classe média).

Calma... a maioria que está lendo deve ter pensado "mas eu estou nesse meio!". Sim... mas eu falei que o garoto problema está DENTRO desse grupo. E não que esse grupo é COMPOSTO por garotos problema. Certo? Então tá.

Eis que Edgar, o garoto problema fictício (qualquer relação com a realidade é mera coincidência) chega aos seus 14-16 anos. Ele mora em São Paulo, vai pra escola, da escola pra galera, da galera pra cama.

Edgar tem tudo que precisa. Quando ele sair da escola, vai pra faculdade por 4-5 anos e só vai pensar em trabalhar um bom tempo depois que sair de lá. Por quê? Porque ele pode. Papai tem tudo, mamãe gasta tudo, mas tudo bem! No fim do mês chega mais. Todo mês. E Edgar pode sair com seu Golf 2.0 que ele ganhou quando completou 17 anos e 6 meses.

Isso é um garoto problema? Ainda não. Ninguém tem culpa de nascer com o cu virado pra lua.

Mas nesse meio tem um bando de filho da puta que não tem o que fazer e, antes de saber falar uma segunda língua, ele já aprendeu a enrolar baseados como um profissional. Edgar entrou nessa vida no colegial. Ele não tinha um real uso pra droga. Não tinha que usá-la para afogar os pensamentos de como ele é pobre e como a vida é uma merda. Não. A vida é boa pra cacete, certo, Edgar? Então pra que você decidiu fazer isso?

Bom... pega bem, né? É legal pra cacete você puxar um. Saber enrolar direitinho. Fazer aquela pose pra tragar: "vou comer todas" (ou todos, pra não falarem que sou preconceituoso).

E o pensamento do brasileiro médio geralmente pára por ai. Mas eu passo muito tempo na Holanda, non? E aí a coisa começa a mudar de figura.

Por aqui a venda e o consumo da verdinha é liberado. Amsterdam tem mais Coffee Shops do que esquinas. Edgar sonha em vir para cá. Ou pelo menos diz que sonha.

Como quase todo brasileiro, eu torço o nariz para a idéia de usar drogas. Mas por que será que a gente torce o nariz? Será que é realmente ruim? Será que você não gostaria se um dia usasse também?

Você adora uma cerveja, não? Ou fuma um cigarrinho? Whisky, vinho?

A gente torce o nariz no Brasil pois a maconha é criminilizada. A gente não experimenta, não porque acha que vai ser ruim ou fazer um mal extremo, mas porque não queremos ser (ou nos sentir) criminosos.

Você sabe que sim, pois todo mundo que mete a cara e fuma um adora a idéia. Deve ser realmente bom, deve dar aquela "brisa". Eu honestamente não sei, nunca experimentei. Mas acho que se tanta gente faz é por que bom deve ser.

"Ah, mas tem gente que fumou e não gostou." Sim. Bem, você deve adorar cerveja e conhecer alguém que odeia, não é?

O fato de apenas estar com uma erva no bolso no Brasil já configurar uma contravenção faz muita gente se afastar e achar que você vai morrer assim que tocá-la. Não é bem assim.

E aí entra a Holanda.

Aqui ninguém sabe que é errado fumar. O máximo que eles sabem é que é errado em outros países. Mas quando você é holandês, outros países não passam de uma nota no canto da página do jornal. Foda-se.

Mas se você leu meu último post, sabe que aqui ninguém é realmente pobre. São poucos os que vão precisar usar alguma substância pra afogar a depressão. Então aqui a maconha virou nada mais perigoso do que um cigarro ou um copo de pinga. E é assim que tem que ser.

Ninguém vai perguntar se você fuma aqui. Pelo motivo que ninguém dá a mínima pra se você fuma, se você dá a bunda, se você gosta de bunda ou se você não tem bunda.

"Ah, ninguém vai te perguntar isso no Brasil, também." De fato. Mas vão ponderar se você faz algo "errado", mesmo que silenciosamente. E vão pensar "não vou dar emprego pra esse cara, ele deve fumar/fuma maconha".

Esse link entre maconha e crime no Brasil é o que fode o esquema. Você fumar no Brasil em si já é errado e já é colaboração com o crime. Ok. Mas aí a mesada do Edgar acabou e ele precisa comprar mais. E agora? Papai não quer dar dinheiro pois já está desconfiado que ali tem algo errado. Aí Edgar quebra o pau em casa, rouba o DVD player e vende. Um crime a mais ou a menos (mesmo que dentro de casa) não vai fazer diferença. Já que é pra fazer merda, faça direito, né?

E Edgar começa a achar que deve usar coisas mais fortes, pra impressionar mais, pra dar um barato muito louco. E ele vai precisar de mais dinheiro pra comprar as agulhas ou pra platina no nariz dali algum tempo.

Se eu disse antes que dinheiro traz dinheiro, agora faz sentido dizer que crime traz mais crime.

A Holanda é a prova viva de que o que a maconha fez e faz no Brasil da classe média é o simples fato de ela ser "errada". Tudo que é errado é mais gostoso, concorda?

Para toda regra há exceções, obviamente, mas o que tem de gente nova, com todas as chances na vida, estudando nas melhores faculdades do Brasil, que joga a vida no lixo, que vão para drogas pesadas, proibidas até na Holanda, não é brincadeira. E a proporção de gente que vai para essa vida por aqui é ínfima. Simplesmente por que não pega bem pagar de mau.

Eu não fumo e nunca fumei maconha. Nem ninguém na minha casa holandesa. Mas eles sabem muito bem que eu tenho a opção de fazer. E vão respeita-la se eu decidir que quero. No Brasil não é bem assim dentro da família, mas nada vai poder mudar até o país e a mentalidade dentro dele evoluírem um pouco.

Antes de vir para cá a primeira vez me deparei com muita gente, todas de classe média a alta, me perguntando o que eu ia fazer na Holanda por tantos meses. E a pergunta principal era, óbvio, a maconha. Mas nada descarado! Pelo contrário!

Me olhavam com aquela cara de malandro e falavam "Amsterdam, néé? Sei.".

Aconteceu já de eu ter que explicar.

- Não, não estou indo pra Holanda pra fumar.
- Pra quê, então?
- Tenho amigos por lá.
- Mas você não vai puxar um baseado?
- Não.
- Não curte?
- Não sei. Nunca fumei.
- Nunca fumou um baseado?
- Não.
- Seus amigos não fumam?
- Não. Alguns amigos deles, sim. Mas ninguém muito próximo.

E mesmo se alguém próximo de mim fumasse, não faria a menor diferença pra mim. Isso não tem que ser nada mais impressionante do que alguém fumar um cigarro ou encher a cara de cerveja. Mas, a partir daquele momento, eu estava excluído daquele grupinho. Já fui chamado de idiota na cara dura por agir dessa maneira.

Ou seja, se você pensa dessa maneira, você é um filho da puta. Esse blog não foi feito pra você e eu acho que você é um completo babaca.

Tem muita gente atrasada no Brasil. Na Holanda eu não sou mais nem menos se eu fumar ou não fumar, beber ou não beber. Eu sou eu. Tem gente atrasada em vários aspectos aqui, mas dificilmente algo que altere as manchetes dos jornais. E isso não afeta apenas esse assunto de drogas, mas o país como um todo.

E até a mentalidade das pessoas chegar um pouco mais perto da evolução e um pouco mais longe da Idade Média, o Brasil vai ser, realmente, um país de todos.

Um comentário:

Unknown disse...

Bem, pelo que entendi, vc defende a idéia de que fumar maconha é o mesmo que acender um cigarro ou tomar uma dose de whisky. A diferença é a legalidade, ou não, da droga em alguns lugares. Penso que qualquer substância capaz de alterar a percepção, reação, cognição, é imprópria para o uso. E tb, é imprópria se vc tiver que praticar algum ato no qual todas as suas faculdades devem estar intactas. Como dirigir, p.ex. O cigarro é uma droga para seu corpo, sua saúde, enfim, todos conhecemos os imensos malefícios que o cigarro causa. A bebida já é um pouco pior, pois, além de trazer malefícios para quem a usa, pode causar problemas para quem está por perto do usuário. Principalmente aqueles que depois de fazerem uso, pegam a direção. O mesmo se pode dizer da maconha. Apesar de dizerem que faz menos mal que o cigarro(?) à saúde de quem a consome, interfere no comportamento. E é por isto, só por isto, que não deve ser usada. Assim como a bebida. A causa da criminalização da maconha não está bem clara para mim, a não ser a alegação de que ela é um pulo pequeno para drogas realmente pesadas e por tudo isto que vc já elaborou em seu post, porém, se é ilegal aqui, devemos respeitar a questão e não fazer uso dela. Se é legal aí, devemos respeitar quem quer fazer seu uso. Mas, não tenha dúvida, eu não entrarei num carro dirigido por quem bebeu demais, assim como não entrarei num carro dirigido por quem consumiu maconha (aí, já não sei dizer o quanto seria "demais", por isto, um já seria o suficiente pra mim). A questão de ser babaca ou socialmente rejeitado por um grupo, ao fazer uso ou não, aqui no BR é questão cultural mesmo, mas não se dá apenas por isto e nem apenas no nosso país. Acho que isso é um fenômeno que atinge todas as culturas e intolerâncias. Vc já foi considerado babaca por não fumar, não usar maconha, não curtir baladas, não dirigir enquanto não tinha habilitação legal para isto e por mais um monte de coisas. Eu já fui considerada babaca por mais uma série de outras coisas. E, tanto eu, quanto vc, já consideramos babacas pesssoas que fazem ou deixam de fazer outro monte de coisas das quais temos nossos juízos particulares de valores. Acho que, no final das contas, o que importa é formar um juízo de valor, total e particularmente nosso, e seguir por ele, desde que tenhamos consciência de que esse código é particular e que outras pessoas tem os seus e que devem ser respeitados. Diferenças culturais à parte, não vamos nos arrepender, garanto.