23 de março de 2012

Saco cheio de mimimi

O engraçado de quando se é novo é que você pensa que todo mundo que é mais velho tem razão.

"Ah, ele teve mais experiência de vida, ele sabe muito mais que eu! É melhor eu ouvir o que ele tem a dizer e seguir a risca se eu quiser me dar bem!".

Aí a gente vai crescendo e, mesmo não sendo velho o suficiente para ser considerado velho, a gente já começa a perceber que nem tudo é o que parece. Sim, somos imaturos quando mais jovens, mas o que estou aprendendo é que o principal agravante dessa imaturidade é, de fato, achar que quem é mais velho sabe tudo. Quando ficamos mais maduros, vemos (ou deveríamos ver) que quem é mais velho não necessariamente sabe mais do que a gente.

Quando eu era bem mais novo (não que eu seja velho), eu achava que ia chegar numa idade em que uma luz surgiria à minha frente e me contaria o Segredo da Maturidade e, a partir de então, tudo estaria claro e eu saberia lidar com as situações cotidianas da mesma forma que eu sabia lidar com um videogame. Seria só uma questão de saber qual botão apertar e em qual momento.

Mas, crescendo um pouco mais, é fácil perceber que as pessoas só são maduras de fato com aquilo que elas já experimentaram, viveram e, com ou sem cicatrizes, superaram. E todos, da idade 8 a 80, são ignorantes naquilo que nunca vivenciaram. Chegando ao ponto de serem prepotentes, juízes do certo e errado, simplesmente infantis com o desconhecido.

Mas o que isso tem a ver com esse blog? Pois é... meu visto está para sair (em menos de 20 dias, se o Universo gostar de mim) e nesses quatro anos de vai e vem para a Holanda, provavelmente a coisa que eu mais ouvi foi: "brasileiro vai pra Europa achando que vai ficar rico e acaba lavando prato e voltando pro Brasil, falando que aqui é o melhor lugar do mundo. Aquilo não é o paraíso que é aqui, não."

Sério mesmo, com certeza existe exceções à regra, mas a maioria das pessoas que vão pra Europa lavar prato vai ilegal, sem ninguém por lá, sem nenhum meio de suporte, sem sequer falar o idioma local.

Acho que meu caso é bem diferente, estou indo com uma família por lá de pessoas muito boas, com a mesma condição que a minha família por aqui sempre me deu. Vou falando o idioma quase fluentemente (e será fluente com a prática que só a convivência pode me dar). Vou estar 100% legalizado no país, com direito ao sistema de saúde, trabalho, benefícios do governo...

"Ah, mas isso não garante que vai ser um paraíso".

Com certeza, não garante. Mas o que eu tenho no Brasil que eu não terei lá? Vamos ver:

- Suporte familiar (ninguém é substituível, mas não posso levar ninguém na mala)
- Falo a língua local
- Sou um cidadão legal
- Plano de saúde
- Direito a trabalhar
- Benefícios do governo (esse eu acho que, na verdade, no Brasil eu não tenho...)

"Ah, então por que você vai morar lá, se vai ser praticamente igual aqui?"

Eu estou indo para lá para estudar numa universidade decente (ou vão discutir comigo que o ensino daqui é melhor que lá, também??) e para poder morar com minha namorada/noiva/o-que-seja (e atire a primeira pedra aquele que não mudaria para ficar com quem ama).

"Tá, mas continua não sendo esse paraíso que você diz que é."

Não digo que seja um paraíso, jamais disse essa palavra me referindo à Holanda ou qualquer outro país.

O que acontece é que me entristece ver brasileiros, às vezes donos de empresas, pagadores de impostos, falando que aqui não está bom, mas lá não vai ser também.

Não acho que eu esteja me dirigindo ao paraíso. De forma alguma. Passei muito tempo lá para já ter o gostinho do que me espera. Mas o que me espera?, e no que o Brasil é diferente de lá?

O mais básico, a começar pelo pagamento de impostos: não vejo nada de errado com pagarmos 37% de impostos no Brasil. CALMA! Eu acho, sim, que pagar impostos é importante para um país e, mesmo na Holanda, a carga é similar à do Brasil.

O que acontece é simples e todo mundo sabe: roubalheira, maracutaia, trambique, FILHOS DA PUTA.

No Brasil a gente paga TRILHÕES de reais em impostos. Pagamos o DOBRO, quando não o TRIPLO por qualquer coisa: carros, computadores, comida, gasolina... adicione a gosto.

Todos esses trilhões deveriam ser aplicados de volta ao país, certo? Recapeando ruas, fornecendo iluminação pública, hospitais, escolas, aeroportos, portos, estradas, transporte coletivo, bla bla bla...

Só que aqui, ao andarmos no carro pelo qual pagamos o dobro, passamos num buraco que deveria ter sido coberto com o dinheiro de impostos, quebramos uma mola e pagamos (caro) para consertar.

Ao passar no buraco, machucamos a testa, está sangrando. Precisamos ir a um hospital. Então usamos nosso plano de saúde (muito caro) para podermos ser atendidos com alguma decência.

E, claro, queremos um médico muito bem estudado para nos atender. Então esperamos que, ou ele tenha estudado o bastante para entrar numa daquelas 3 faculdades públicas que fato são boas, ou ele tenha tido muito dinheiro para pagar por seus estudos.

Com o carro no conserto, temos que voltar para casa de alguma forma. Mas o ônibus que passa perto do hospital está lotado, atrasado ou simplesmente não vem, por que quebrou por falta de manutenção ou foi apedrejado, tacado fogo etc.

Então, no lugar dos R$3,00 que gastaríamos com o busão, pegamos um taxi, que vai sair uns R$80,00, já que o trânsito está um caos porque que um ônibus (aquele que não veio) quebrou e congestionou 7 km de vias na cidade, já que a empresa (paga pelo governo) responsável pela remoção do ônibus demorou 4 horas para ser acionada.

"Ah, mas você acha que na Europa não existem esse problemas?"

Existem. Mas vamos ver se é igual.

Meu plano de saúde no Brasil cobra mais de 500 reais e me cobre alguns hospitais.
O plano de saúde do governo holandês cobre todos os hospitais e clínicas do país (e preciso checar para ter certeza, mas acho que cobre a Europa também) e custa 70 euros por mês.

O carro que temos na Europa custou 7000 euros. Não existe no Brasil, mas pela média, ele custaria mais de 35.000 reais aqui, fora custo de IPVA e consertos por ruas esburacadas.
Na Holanda esse caro não paga impostos, nada de IPVA, nada de nada. Comprou, acabou.
E as estradas e ruas são um tapete. Nem aqueles remendos mais escuros vemos.

Para estudar numa universidade da Holanda, qualquer cidadão tem direito a receber um empréstimo para pagar por seus estudos.
Esse empréstimo só deve ser pago de volta caso você não finalize o curso.
Em questão de qualidade de ensino, você deve morar Lua se nunca ouviu falar "nossa, ele estudou na Europa!!".

Os serviços do país: se você já passou por um grande aeroporto europeu, não precisa saber como são as coisas por lá. Grandes, modernos, funcionais. E muitos com um trem/metrô que para DENTRO do terminal.
Agora vá estacionar seu carro em Guarulhos e me conta como foi.

Poderia continuar aqui, mas me estenderia demais (como por exemplo os ônibus têm um itinerário com precisão de minutos e se/quando atrasa são 2 minutos).

Mas o que eu quero mostrar é que, se pagamos o mesmo tanto de impostos que os holandeses, por que não podemos ter o que eles têm? A resposta é simples: roubalheira, maracutaia, trambique, FILHOS DA PUTA.

E o que me deixa putíssimo é esse conformismo do brasileiro "ah, lá tem problema também".

DIGAMOS que esse seja o caso. Se lá não é um mar de rosas, de fato. E DAÍ? Se lá é ruim, temos que nos conformar que aqui também não é? Se a Europa é uma merda, então o Brasil tem que ser também?

Isso derrota o propósito do argumento: se lá é ruim e aqui é ruim, aqui não pode ser melhor, já que lá é a Europa.

Quer dizer que aqui não vai ser melhor, já que a Europa é melhor que o Brasil. Mas a Europa não é melhor que Brasil.

Hã??

A qualidade de vida do Brasil não tem que se medir através da Europa. A qualidade de vida do Brasil tem que ser boa, independente do resto do mundo, por que aqui é o meu país e é aqui que tem que funcionar.

Mas eu sou uma formiguinha num formigueiro e só posso viver uma vez. E se aqui não tem sinais de melhora, eu vou pra onde é, talvez não um paraíso, mas pelo menos melhor aqui. E isso é com certeza.

NOTA FINAL

Não vou deixar esse post acabar com essa idéia de que acho o Brasil um inferno. Pelo contrário. Adoro o Brasil e as pessoas que estou deixando para trás.

Mas o que é ruim, de fato, é o BRASILEIRO.

Povo mal educado, egoísta, hipócrita, mau caráter mesmo. Para toda regra, existe exceção. Tem muitos e muitos brasileiros bons, gente a quem eu confiaria muita coisa. Mas num país de 190 milhões de pessoas, essa minoria mau caráter ainda forma um número muito grande de pessoas.

Isso vemos no trânsito: ninguém respeita preferência, brasileiro só anda na velocidade permitida quando passa pelo radar, muda de faixa quando quer, atravessa a rua sem olhar, fala ao celular.

Sabe, as leis de trânsito não estão aí por que os caras são chatos. Se você só pode andar a 90kmh na marginal, MOTIVO TEM. RESPEITE.

Acontece muito comigo de tirarem sarro da minha cara por que escrevo direito. O brasileiro é o único povo que eu já vi (talvez tenha mais, mas AQUI é a minha realidade e AQUI é que tem que ser bom) que te faz se sentir mal por fazer as coisas certas e te dá um puta mérito por fazer as coisas erradas.

Se você escreve errado e anda a 120kmh na marginal falando ao celular, você tem uma puta moral, você é o foda.

Faça o contrário e você é um babaca.

Na Holanda você é só mais um. Você faz tudo certo, não precisa ser o foda.

Eu vou pra lá ser só mais um. E tá de bom tamanho.

E essa é MINHA escolha, pode ser que eu me foda e dê tudo errado. Mas isso pode acontecer em qualquer lugar. Na Holanda, no Brasil, na Lua.

Então, com todo respeito, parem de me encher o saco e aprendam, de uma vez por todas, que a SUA realidade e vasta experiência de vida não te fazem saber tudo sobre tudo. E existem coisas que você não sabe, não conhece.

Eu não sei de tudo também, mas eu sei daquilo que me cerca e sei onde vou pisar com meu próximo passo.

Pode ser um passo em falso para mim, mero aprendiz. Mas o seu próximo passo, exímio sábio, pode ser em falso também.




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